Em 21/08/2018

Artigo - A temerária decisão do STF sobre penhora de bem de fiador na locação comercial – por Pedro Serejo 5c5e6l


A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em sessão no dia 12 de junho, decidiu, por maioria, no julgamento do Recurso Extraordinário 605.709, por afastar a penhora sobre bem imóvel do fiador em contrato de locação comercial, reconhecendo-o como bem de família, nos termos da Lei 8.009/90 541p3e


A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em sessão no dia 12 de junho, decidiu, por maioria, no julgamento do Recurso Extraordinário 605.709, por afastar a penhora sobre bem imóvel do fiador em contrato de locação comercial, reconhecendo-o como bem de família, nos termos da Lei 8.009/90.
 
A lei do bem de família, criada no ano de 1990, possui o relevante e fundamental papel de assegurar o direito de moradia, bem como garantir que as dívidas contraídas pelo casal ou pela entidade familiar não atingirão o imóvel que serve de moradia ou que garanta tal direito ao seu proprietário.
 
Ocorre que, ao prever, no ano de 1990, que o único imóvel que serve de moradia não pode ser atingido pela dívida de qualquer natureza contraída pelo casal ou pela entidade familiar, a lei do bem de família criou relevante insegurança no mercado de locações, especialmente quanto à figura do fiador, na medida em que um único imóvel de sua propriedade não seria suficiente para garantir o pagamento de eventual dívida locatícia, eis que impenhorável.
 
Com isso, ou-se a exigir que o fiador apresentasse não apenas um, mas ao menos dois imóveis capazes de garantir o pagamento dos aluguéis contratados. Obviamente, se já é tortuosa a missão de conseguir um fiador que disponha de um imóvel, que dirá o que disponha de dois ou mais, fato esse que ou a inviabilizar, do ponto de vista prático, o mercado de locações.
 
De modo a ajustar esse descomo do mercado imobiliário de locações foi que, em 1991, na entrada em vigor da Lei do Inquilinato (8.245/91), o artigo 82 inseriu o inciso VII no artigo 3º da lei do bem de família, para incluir como exceção à impenhorabilidade o imóvel do fiador em contrato de locação.
 
Ressalta-se que a possibilidade de responder por dívida restringe-se à fiança prestada especificamente em contrato de locação, e não em qualquer outro negócio. A lei também não distingue o tipo de locação, abrangendo todas as modalidades.
 
Com base nesse histórico foi que se garantiu — ao menos até a recente decisão do STF — considerável segurança jurídica ao mercado de locações, especialmente quanto à inafastabilidade da garantia ampla do patrimônio do fiador.
 
Por esse prisma é que se entende que a decisão do STF, em última análise, resgata uma insegurança há muito pacificada, recolocando em risco, ao menos em relação às locações comerciais, a necessária estabilidade do mercado.
 
Embora o até então consolidado entendimento (de ser possível alcançar o imóvel do fiador) dê azo a circunstâncias como a possibilidade de se penhorar o imóvel do fiador, mas não o do locatário (que é o devedor principal), certo é que a fiança de locação é um ato puramente volitivo, que não permeia qualquer outra necessidade (de moradia ou de subsistência como no caso da locação residencial ou comercial, respectivamente), e depende exclusivamente da deliberada intenção do fiador em se colocar em tal posição, e naturalmente assumir os seus riscos e ônus.
 
Por isso, por mais que o entendimento prevalente na decisão comentada se paute na impossibilidade de o direito à livre-iniciativa se sobrepor ao direito à moradia, deve se ter em conta que tal possibilidade foi criada única e exclusivamente pela pura opção do fiador, sem que qualquer outra necessidade (básica ou não) o tenha compelido, forçado ou orientado a assumir tal encargo.
 
Diante dessas considerações é que, em prestígio à necessária segurança jurídica do mercado locatício — especialmente em momento delicado por que a atualmente —, alcançada pela inserção do inciso VIII do artigo 3º na lei do bem de família, bem como diante da certeza de que a posição de fiador em contrato de locação (residencial ou comercial) é assumida pela mais pura e simples manifestação de vontade, sem qualquer necessidade que a impulsione, é que se entende inadequada e temerária a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, tanto do ponto de vista jurídico como pela ótica do impacto social e comercial que dela resultará.
 
É preciso mencionar, por fim, que apesar de se tratar de decisão da suprema corte brasileira, refere-se a uma única decisão, pautada em entendimento isolado, proferida apenas por uma das duas turmas do STF, que não tem qualquer caráter vinculante em relação aos demais juízos e tribunais e, portanto, não pode, nem deve, ser itida como um novo entendimento predominante.
 
Pedro Serejo é advogado no Vieira, Cruz Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e graduado em Direito pela PUC-Rio. Atua nas áreas de Direito Imobiliário e Contratual, relações de consumo e recuperação de crédito.
 
Fonte: Conjur
 


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